quinta-feira, 20 de abril de 2017

Entregamos o futuro por conta da ideia da crise.



Bruno de Almeida Silva estuda Administração na Universidade Federal Rural do RJ e é funcionário público. Ele me enviou um email muito carinhoso com esta excelente análise sobre como a crise é reforçada para mostrar que eliminar direitos seria a única solução de combatê-la. 

Sei que esse é um textão, mas acho que é uma boa reflexão sobre o que o Temer vem fazendo conosco. 

Primeiramente, quero te falar sobre a “crise” no Brasil. Tudo começou há alguns dias, quando fui ao Outback com minha esposa e um casal de amigos. 

Esse é um restaurante caro (um casal gasta em média R$ 150,00 por uma refeição ali -- cerca de 17% de um salário mínimo!) e para minha surpresa, ao chegarmos lá aguardamos cerca de duas horas para sermos atendidos. Tentei me lembrar da última vez que visitei um shopping ou hipermercado e vi o estacionamento vazio. Concluí que não me lembro.
Lembrei-me de quando visitei um restaurante caro em Taubaté com minha esposa e outro casal, três meses atrás. Lá um casal paga em média R$ 350 por uma refeição (cerca de 38% de um salário mínimo!) e para minha surpresa, tive que reservar uma mesa com uns dois dias de antecedência. Conversando com um amigo do trabalho, ele me relatou que no final de março foi a Ubatuba e que naquele fim de semana essa cidade litorânea de SP estava cheia.
Incomodado com essas lembranças e informações, passei a pesquisar sobre a economia do Brasil, frente a outras economias, e cheguei aos seguintes dados:

Em termos de índice de desemprego, temos os seguintes números: Brasil 13,2%, Espanha 18,9%, Grécia 23,3%, Portugal 13%, Itália 12,4%, França 10,5%, Finlândia 9,2%, Áustria 8,9% e Uruguai 8,1%.

Entretanto, o índice de desemprego quer dizer bem pouco sobre a economia de um país. Veja os seguintes índices: EUA 4,7%, Venezuela 7,3% e Cuba 2,4%. Nem preciso dizer como a atual economia entre esses países são distintas entre si!
O índice de desemprego no Brasil não considera a mão-de-obra informal (aquele pessoal que não tem carteira assinada e nem empresa -- ME, EPP ou MEI). No Brasil existem cerca de 10 milhões de trabalhadores nessas condições.

A crise financeira de 2008 levou à falência o Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos. Além disso e por conta dessa mesma crise, alguns bancos americanos e europeus receberam socorro bilionário de seus respectivos governos. Agora veja a situação de dois dos maiores bancos que atuam no Brasil em 2016: Itaú (lucro liquido/2015 = R$ 23,3 bilhões e lucro liquido/2016 = R$ 21,6 bilhões) e Bradesco (lucro liquido/2015 = R$ 17,19 bilhões e lucro liquido/2016 = R$ 15,08 bilhões). Repare que estamos falando de lucro líquido, isto é, depois de pagar todo custo operacional, foram esses bilhões que “sobraram”.

Sobre a CPMF, um dado para deixar clara a robustez de nossa economia: a alíquota deste tributo, discutida pelo governo federal varia entre 0,32% e 0,5%. Esse tributo seria cobrado sobre movimentações financeiras bancárias, isto é, transferências entre contas, desconto de cheque... com uma alíquota relativamente pequena e cobrada especificamente sobre a transferência de capital o governo pretende arrecadar, nas projeções mais conservadoras, algo em torno de R$ 30 bilhões. Em uma crise, não deveria haver tanta movimentação de capital assim!

Sobre a queda de vendas de carros no Brasil, mesmo com as sucessivas quedas, ainda se vendem mais de 2 milhões de carros zero por ano no país. Entretanto, a venda de carros seminovos manteve-se estável no ano passado.
Sobre o custo da mão de obra e a precarização das ralações trabalhistas, te convido a fazer duas reflexões:

1º - Não é o custo da mão de obra que define o quantitativo dos postos de trabalho. É a demanda. Explico: um empregador nunca vai contratar alguém porque é barato. Ele vai contratar alguém porque ele precisa daquela mão de obra para fabricar algo que gerará lucro. Ainda que a mão de obra custe R$ 20 mil, se houver a possibilidade de lucrar com isso, o empresário pagará esse salário.

2º – Não é somente o custo de produção que define o preço final do produto. Explico com um exemplo: a Volkswagen produz no Brasil o Gol Trendline, vendido no mercado nacional e no mercado mexicano. Os impostos cobrados sobre esse carro e suas respectivas alíquotas são: ICMS (18%), IPI (8%), COFINS (7,6%) e Programa de Integração Social (1,65%). Impostos como licenciamento, IPVA e DPVAT são pagos pelo consumidor. Entretanto, Quando a empresa exporta para o México, ela restitui o ICMS e o IPI e arca com os custos de transporte e os tributos mexicanos (só para ter uma ideia, a carga tributária brasileira varia em torno de 36% do PIB e a mexicana, 15% do PIB). 
Ocorre que, no caso do Gol Trendline, a Volkswagen pratica os seguintes preços: Brasil = R$ 45.932,00 e México R$ 28.704,00 (isso sem levar em consideração que o produto é similar e não igual. O mexicano é um pouco mais requintado!). Portanto, não é a carga tributária ou os custos com a produção que definem o preço do produto, e sim o quanto aquele mercado aceita pagar por um determinado produto. Isso quer dizer que ainda que as relações trabalhistas se tornem mais baratas, os empregadores não repassarão sua fatia de lucro aos empregados (se estes “aceitarem” trabalhar com menos direitos) e muito menos aos consumidores (se estes aceitarem pagar mais pelo produto).

Por que venho falando tudo isso? Para expor uma tese: todo brasileiro que eu conheço comprou a ideia de que estamos em crise. E não duvido que estejamos! Só não acredito que ela seja exatamente do tamanho que o governo vem declarando que ela é. 

No entanto, como “compramos” a ideia de que estamos em crise, estamos anestesiados diante de tantos desmandos do atual governo federal. Aceitamos pacificamente o congelamento dos gastos públicos em saúde, segurança e educação por 20 anos. Aceitamos pacificamente a lei da terceirização sem limites. Aceitamos pacificamente a drástica diminuição do bolsa-família, aceitamos pacificamente o fim do ciência sem fronteiras. Estamos a caminho de aceitar pacificamente essa reforma da previdência e a volta da CPMF. E tudo isso por que? 

Porque acreditamos que estamos no meio da maior crise econômica que esse país já viveu. Porque estamos praticando o ditado “vão-se os anéis e ficam os dedos”. Mas eu tenho uma notícia para te dar: seus anéis não foram. Aparentemente, mentiram para você! 
Por muito menos, populações da França, Espanha, Paraguai e Chile protestaram ferozmente contra os governantes de seus respectivos países, e nós estamos aqui “vendo a banda passar”. Se você dúvida do que eu digo, vá até o shopping ou supermercado mais perto de sua casa, veja se eles estão às moscas.
 Repare na maneira como as pessoas estão vivendo e lembre-se de como elas viviam há 5, 10, 20 anos. Veja se a situação piorou ou melhorou.
A troco de nada estamos entregando nosso futuro! E, enquanto abrimos mão de nosso futuro, nosso governo é o terceiro país do mundo que mais gasta com juros.


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