quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Energia Elétrica: Como consertar a pior empresa de energia do Brasil?


Em qualquer país, parte da energia elétrica não chega aonde deveria. É esperado que se perca um pouco nos fios de alta-tensão que transportam a energia das usinas aos consumidores. Isso, claro, no resto do mundo — no Brasil, a energia some mesmo é por causa dos “gatos”, as ligações clandestinas de energia tão comuns nas grandes cidades.
 
Pessoas conectam os próprios cabos em postes de luz e passam a usar energia de graça. O Brasil é um dos países em que as companhias de energia mais sofrem com perdas — em média, 17% do que é produzido fica pelo caminho, quase o triplo do percentual dos Estados Unidos. Mas é olhando os dados de cada região que se constata o tamanho real do problema.
 
A Região Norte do país, a pior nesse critério, desperdiça 40% da energia distribuída. O caos é tamanho que apagões são coisa da vida — é normal, nos estados da região, ficar algumas horas por semana no escuro.
 
Para as empresas de energia, fica a missão quase impossível de ganhar dinheiro num cenário desses. É o que os executivos da companhia elétrica Equatorial vêm tentando, a duras penas, fazer há pouco mais de um ano. 
 
Em setembro de 2012, a Equatorial comprou a Celpa, distribuidora de energia do Pará, quando o Grupo Rede, que controlava a empresa, entrou em crise. A aquisição custou 1 real, já que a Celpa dava prejuízo, tinha dívidas bilionárias e uma “gataria” de assustar qualquer um.
 
Um estudo feito antes da venda mostrou que havia, no estado, 150 000 ligações clandestinas. Os novos donos também identificaram que 600 000 clientes — 30% do total — pagavam as tarifas mínimas, muitos deles porque os medidores de consumo estavam simplesmente quebrados.
 
Depois de ter deixado seus clientes sem luz durante 102 horas em 2012 — a média nacional foi de 18 horas —, a empresa recebeu, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o título de pior companhia de energia do país. Mesmo assim, a Equatorial — empresa que tem entre os acionistas a Vinci Partners e o BTG Pactual — decidiu que valia a pena arriscar. Gastou sua moeda de 1 real e foi à luta.
 
O plano era tentar repetir na Celpa a mesma receita usada na Cemar, companhia de energia do Maranhão afundada em problemas que foi comprada pela Equatorial em 2004. A empresa, que era a pior do setor, virou exemplo de eficiência e saiu de um prejuízo de 31 milhões para um lucro de 385 milhões de reais.
 
No processo, a Equatorial recebeu cerca de 640 milhões de reais em dividendos. “Sabíamos que teríamos de fazer um choque de gestão, como ocorreu no Maranhão”, diz Nonato Castro, presidente da Celpa e um dos responsáveis pela reestruturação da Cemar. Em um ano, a Equatorial gastou 450 milhões de reais para começar a colocar a operação em ordem.
 
A prioridade número 1 (e 2, e 3) dos novos donos da Celpa foi acabar com os gatos. Usando o mapeamento dos executivos da Celpa, os novos donos enviaram 600 funcionários aos bairros mais problemáticos para desligar as ligações clandestinas. Em algumas áreas mais remotas da Floresta Amazônica, o acesso só é feito de barco.
 
De ­fevereiro a setembro, 25 000 pontos irregulares foram desfeitos. Em seguida, a companhia avaliou as informações de consumo de energia das casas que pagam as tarifas mínimas: cruzou os dados com a média de utilização de energia dos bairros em que estão e com o consumo na época em que os medidores funcionavam.
 
Descobriu que 200 000 casas estavam fora do padrão e decidiu mandar funcionários a cada uma delas para checar qual é o problema dos medidores. Se for o caso, vai mandar trocá-los — cada procedimento desse custa 1 500 reais para a distribuidora.
 
Falta ainda avaliar a situação de outras 400 000 residências que também pagam as tarifas mínimas. O custo total do projeto pode chegar a 1,1 bilhão de reais, e o plano é colocá-lo em prática ao longo de cinco anos. 
 
Em paralelo, a Equatorial passou a aplicar na Celpa a cartilha de redução de custos que deu certo na Cemar. Cortou benefícios a executivos, como o pagamento do aluguel de seus apartamentos. Os diretores também não têm mais direito a carro nem a secretárias exclusivas.
 
A empresa pressionou os fornecedores por descontos e mudou o esquema de trabalho de suas equipes de plantão, responsáveis por atender emergências. No passado, esses profissionais recebiam um valor fixo mensal, que independia da quantidade de trabalho.
 
Desde 2013, passaram a receber por serviço realizado (e a remuneração diminui se o serviço precisa ser refeito). Quando há poucos chamados, os funcionários adiantam a instalação de pontos para novos clientes ou trocam cabos antigos.
 
Os demais empregados ganharam metas de desempenho, e seu bônus depende de quanto geraram, individualmente, de receita para a empresa — o cálculo é feito com base numa metodologia criada pela consultoria Falconi para a Cemar. “Hoje, até o funcionário que troca fio no poste sabe o que é geração de caixa”, diz Eduardo Haiama, diretor financeiro da Equatorial.
 
Além disso, a dívida foi renegociada e a companhia fez dois planos de demissão voluntária, o que diminuiu o quadro de pessoal em 15%. Com as mudanças, fechou o terceiro trimestre de 2013 com um lucro de 100 milhões de reais, o primeiro resultado positivo em quatro anos. 
 
Toda semana no escuro
 
Apesar dos problemas, a compra da Celpa foi, pelo menos até agora, um bom negócio. As ações da Equatorial subiram 31% desde a aquisição, enquanto o Ibovespa desvalorizou 17%, e a empresa vale 4,5 bilhões de reais, perto de sua máxima histórica. Os investidores apostam que os novos donos vão conseguir replicar no Pará o modelo que deu certo no Maranhão.
 
Nonato Castro e seus executivos prometeram sanear a Celpa em cinco anos, e os próximos resultados da companhia dependem fortemente disso. A Celpa responde por 53% da receita operacional da Equatorial, cujo lucro caiu 12% depois da aquisição (a dívida aumentou 16%).
 
Boa parte dos investimentos está sendo financiada pelos recursos captados com uma oferta de ações de 1,4 bilhão de reais, o que mantém o endividamento da Equatorial sob controle. O caminho a percorrer, porém, é longo. A vida dos consumidores paraenses continua de desesperar.
 
O total de horas de falta de energia no Pará caiu de 102, em 2012, para 76, em 2013, mas esse ainda é o pior nível do país: equivale a quase 1 hora e meia sem energia por semana. O índice de perdas de energia da Celpa diminuiu pouco, de 37% para 36% — continua muito acima da média brasileira. Finalmente, ainda há mais de 120 000 gatos para eliminar. Haja energia.

Fonte: Exame.com

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