terça-feira, 9 de julho de 2013

Importância da jornada de 11 de julho



Organizações e lideranças progressistas não podem se omitir nas jornadas da próxima 5ª feira, dia 11.

Para além das justas reivindicações corporativas e setoriais, cabe-lhes repor a moldura da disputa política em curso no país.

Um ciclo de crescimento se esgota; outro terá que ser construído.

Não erguer pontes entre as demandas pontuais e a travessia de um tempo histórico pode ser fatal nesse momento.

O alarido das manifestações de junho não é a causa.

Mas adicionou consequências, e limites, à tentação de se adiar a pactuação das linhas de passagem que devem pavimentar o passo seguinte desenvolvimento.

Por linhas de passagem entenda-se a correlação de forças, as circunstancias objetivas, as metas, recursos e o escalonamento das prioridades.

Vivemos um aquecimento: 2014 será o pontapé oficial. 

As jornadas do dia 11 não podem perder de vista a urgência de se organizar o time progressista.

O adversário conta com uma vantagem: o calendário mundial trabalha a seu favor.

A recuperação norte-americana apenas se esboça. 

Mas já é precificada pelos gestores do dinheiro grosso, aqui e alhures.

Sinais positivos nos EUA ampliam as rotas de fuga para investidores e rentistas.

Vale dizer, reforçam o poder de chantagem contra Estados, governos, partidos, anseios e plataformas progressistas. 

É o que evidencia o jogral da finança global. 

O custo do desenvolvimento vai subir, avisam a ‘The Economist’, ‘Financial Times’ e assemelhados locais, enquanto pedem um pagamento antecipado em ‘reformas liberais’.

Editoriais e goelas demotucanas voltaram a pontificar intensamente. Será preciso subir ainda mais o juro aqui, para conter a inflação decorrente da valorização do dólar, e manter o diferencial atraente, quando o Fed elevar a taxa norte-americana.

O ambiente externo favorece a ladainha ortodoxa.

Atingidas pela desaceleração do apetite chinês, as receitas cambiais do país recuam, a exemplo do que ocorre em outros exportadores de matérias-primas.

Vulgarizadores do credo neoliberal celebram: com as multidões nas ruas, é a tempestade perfeita. 

Em termos.

Se acertam no varejo, trombam no essencial: o que anda para frente não se confunde com o cortejo empenhado em ir para trás. 

O que as ruas reclamam não cabe no credo regressivo.

As ruas reclamam porque o país que emergiu na última década não cabe mais nos limites do atual sistema político.

A resposta é mais democracia.

Mas os 'liberais' são contra o plebiscito da reforma política; rejeitam referendos ('chavismo') e demonizam a simples menção a uma Constituinte.

As ruas reclamam porque ainda não encontram acolhida na infraestrutura secularmente planejada para 30% da população.

A resposta é mais investimento público; melhor planejamento urbano; maior presença do Estado na economia. 

E o que eles propõem?

Dobrar a aposta no arrocho fiscal e no Estado mínimo.

As ruas reclamam porque não tem expressão no esquizofrênico ambiente de um sistema de comunicação que exacerba e distorce a natureza dos desafios brasileiros, ao mesmo tempo em que interdita o debate e veta as respostas progressistas a eles.

A opção é a regulação democrática do sistema de comunicação, para que se torne mais ecumênico e plural. Tudo o que eles qualificam como autoritário...

O fato de a revista ‘Veja’ ter recorrido ao rudimentar expediente de forjar um ‘líder biônico dos protestos’, um desses militantes da causa ‘bíceps & figurante da Globo’ (assim elucidado pela investigação demolidora do blogue Tijolaço), diz muito da dificuldade conservadora em acomodar multidões no seu ideário.

Não é uma dificuldade conjuntural. A entrevista forjada nas ‘páginas amarelas’ guarda sintonia com a ideia de plebiscito preconizada na capa seguinte do mesmo veículo.

Ali desaparece o figurante da democracia para emergir o ideário que o anima: a proposta de plebiscito de 'Veja' inclui uma consulta para cassar o direito de voto "de quem recebe dinheiro do governo".

Quem? 

Os 14 milhões de lares beneficiados pelo Bolsa Família e outros programas sociais.

Algo como uns 25 milhões de eleitores mais pobres do país.

O expurgo dos pobres da cabine eleitoral é uma velha aspiração conservadora.

Na Constituinte, abortada, de 1823, que deveria elaborar a 1ª Carta pós- Independência, propunha-se que o voto fosse uma derivação da propriedade da terra.

O recorte mínimo para obter ‘o título de eleitor’ seria uma renda equivalente a 150 alqueires de mandioca. 

'Veja' não é um ponto fora da curva.

O pensamento amarelecido expresso em páginas graficamente modernas prossegue a tradição obscurantista de um país que deixou de ser colônia, sem deixar de ser escravocrata.

Em 1888, quando libertou os negros, negou-lhes a cidadania ao descartar uma reforma agrária que os inserisse no mercado e na sociedade (cento e vinte e cinco anos depois, a reforma agrária continua demonizada nas páginas de 'Veja'). 

Abolição feita, o grau de instrução virou a mandioca da vez: analfabetos foram impedidos de frequentar a cabine eleitoral até quase o final do século 20.

Foi só em 1988, com a Constituinte Cidadã, que o Brasil universalizou o direito ao voto.

A contragosto, diga-se, da turma que agora pretende restituir a Constituição da mandioca, expurgando novamente os pobres da cabine eleitoral.

O Brasil tem razões adicionais para não aceitar que a regressão fale em seu nome.

A desigualdade entre nós ainda grita alto em qualquer competição mundial. 

Mas entre 2003 e 2011, o crescimento da renda dos 20% mais pobres superou o dos BRICs, exceto China. (Fonte: Ipea).

O Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico dos últimos cinco anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população, graças às políticas públicas deliberadamente voltadas aos mais pobres. (Fonte: consultoria Boston Consulting Group, que comparou indicadores de 150 países).

A narrativa conservadora sempre desdenhou da dinâmica estruturante embutida nesse degelo social. 

Ou isso, ou aquilo. 

Ou se reconhece os novos aceleradores do desenvolvimento ou o alarde dos seus gargalos é descabido.

Ambos são reais. 

O malabarismo está na pretensão de afinar multidões na rejeição ao ciclo que as gerou, despertou e agregou.

Esse contrassenso rebaixa e infantiliza o debate das escolhas que devem aprofundar a mutação em curso no país. 

Milhões de famílias deixaram a exclusão rumo à cidadania nos últimos anos.

Há um deslocamento épico em marcha, que se pretende barrar com a falsificação de multidões retrógradas. 

As jornadas do dia 11 sairão vitoriosas se deixarem claro que as ruas dispensam os heróis de ‘Veja’ de falarem em seu nome. 

Partidos, sindicatos e movimentos sociais não podem mimetizar a dissipação da qual se alimenta o canibalismo retrógrado.

No dia 11, o Brasil deve expressar sua diversidade.

Mas, sobretudo, emoldura-la em uma agenda comum. 

Para libertar a rua do sequestro conservador. E o futuro do país também.


Texto de Saul Leblon, no sítio Carta Maior e reproduzido do Blog do Miro

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