quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Não são as armas, é a ideologia


Por Alberto Dines* 

Até o início da noite de segunda-feira (17/12), nossos canais de notícias e portais da internet mantiveram uma cortina de silêncio em torno da National Rifle Association (NRA), a responsável pela obsessão americana em preservar o comércio e uso de armas de fogo.

Repórteres, correspondentes e âncoras lembraram a Segunda Emenda à Constituição, que garante ao cidadão os meios para se defender, mas prudentemente evitaram trazer para o debate o mais poderoso lobby americano, criado em 1871 e hoje com 4,3 milhões de associados.

A NRA não se encarrega apenas de blindar a legislação que dá suporte legal à venda e utilização de armas, ela consegue monitorar até mesmo o registro de candidatos antiarmas dos dois partidos mais importantes. 

Um político que não é membro desse clube dos enfezados tem poucas chances de sobreviver.

Horas depois do massacre, ainda na sexta-feira (14), na emocionada mensagem ao país, o presidente Barack Obama teve o cuidado de não falar em armas, foi além: pediu uma união nacional, “independente da política” (regardless of politics) para evitar a repetição de tragédias. Não poderia explorar o doloroso momento para uma convocação mais expressiva. Por isso foi criticado pelos setores mais radicais dos desarmamentistas.
Mais atenção

A mídia brasileira passou ao largo da questão ideológica embutida no morticínio. Não quer tomar posições, prefere agarrar-se à tragédia apesar da inusitada demora em esclarecer seus bastidores e circunstâncias mais recônditas. O telenovelismo mais uma vez impõe-se à compulsão de buscar a verdade, toda a verdade. Preferem esquecer a NRA e as evidências de que essa legião do bangue-bangue é a tropa de choque da direita americana. Sequer lembraram do referendo brasileiro de outubro de 2005, quando a direita e os conservadores favoráveis ao armamentismo deram uma tunda (64% a 36%) na centro-esquerda (PT, PSDB, PPS).

Precisamos relembrar o massacre da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, no Rio (7/4/2011), e desmascarar o cinismo de certos setores americanos que pretendem proibir as “armas de assalto” ou ataque (fuzis semiautomáticos), deixando como está a venda de armas de defesa pessoal (revólveres e pistolas). É exatamente a mesma coisa: o nosso monstrinho Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, matou 12 crianças e feriu outras dez com apenas dois revólveres – consideradas armas de defesa pessoal, porém alimentados com carregadores adicionais o que os tornaram quase tão letais quanto uma submetralhadora.

A mídia brasileira foi simpática ao Tea Party, torceu o nariz para a reeleição de Obama e agora faz de conta de que não existe um fortíssimo componente ideológico no terrorismo individual que ensanguenta as escolas dos EUA desde 1999. Este exercício coletivo de dissimulação emascula nossa instituição jornalística, vicia os principais veículos do país e entorpece seus próprios profissionais.

Conviria prestar mais atenção à inteligência e ao fair-play da mídia conservadora britânica, capaz de ser mais consistente em matéria doutrinária e mais flexível quando se torna imperioso matizá-la com compromissos morais.

Breve, os americanos saberão tudo sobre Newtown, Connecticut. Temos o mesmo direito.

*Alberto Dines - Atualmente é pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, do qual foi co-fundador, além de coordenar o Observatório da Imprensa on-line e pela televisão.


Colaboração Cido Araújo/SP

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